Especialistas em diversas áreas discutem a
capacidade do cinema em provocar mudanças sociais
Henrique Naves, Priscila Souza e Rafaela Tolentino
No auge do século XXI, a busca incessante pela paz é uma luta que aflige os mais diferentes povos e nações, em qualquer parte do mundo. O cinema, assim como as manchetes de jornais, no entanto, insistem em se atrelar em conflitos, guerras, assassinatos e todos os tipos de situações que afrontam a paz.
O cinema, também conhecido como a “Sétima Arte”, dá poder aos diretores para retratarem a situação em que o mundo se encontra. Tal situação pode ser apresentada de forma realista ou ficcional. São eles os responsáveis por abordar a realidade pelos mais diversos ângulos.
Sabe-se que, para que um filme tenha boa história, é preciso uma situação de “desordem”. No decorrer de um longa tradicional, o que estiver “fora do lugar” acabará “no lugar certo”, ou seja, em paz. Por estes motivos, abordar a “guerra” acaba sendo mais atraente, do ponto de vista do cineasta, uma vez que é a “desordem” que gera curiosidade e, então, bilheteria. É explicável, portanto, a pequena quantidade de filmes com o tema “paz”.
Para alcançar um estágio pacífico, presume-se que houve um momento de conflito antes: “A paz é o ‘objeto’ a ser buscado. A guerra aparece como um dos caminhos para atingi-la”, observa o professor de Jornalismo Cultural do Centro Universitário de Belo Horizonte, Leonardo Cunha.
Há quem defenda, contudo, a idéia de que os filmes contribuem para a promoção da paz. De acordo com a jornalista e mestranda em cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG, Luiza Leite, “a indústria cinematográfica tem a função de emocionar as pessoas, mas, também, a de propor pensamentos a respeito do modo de vida da população. O filme “Cidadão Kane” é só um dos grandes exemplos do seu tempo que questionou o way of life dos norte-americanos de forma impactante. No Brasil, o filme “Tropa de Elite” foi responsável por mudar ou ampliar a percepção dos nativos sobre diversos âmbitos da sociedade. A corrupção dentro da polícia e a má gestão das corporações policiais são bons exemplos de como um filme pode restabelecer conceitos”.
O estudante de relações internacionais do Uni-BH, Rafael Pereira, concorda: “o cinema é um ponto de integração social voltado para o entretenimento e que proporciona reações semelhantes e debates saudáveis sobre diversos temas” declara. Rafael completa, ainda, que outra forma de se entender o cinema como “elemento promotor de paz” é a forma de abordagem de alguns filmes: “o interessante é que as próprias películas discutem questões sociais universais em evidência, como racismo (em “Duelo de Titãs”, por exemplo), conflitos étnicos (“Hotel Ruanda”), tráfico de drogas (“Traffic”, “Cidade de Deus”), guerras e atrocidades (“A Lista de Schindler”), além da própria natureza humana e seus diversos antagonismos (“Crash-No Limite”). Neste sentido, o choque entre as reações geradas pelos conteúdos e interpretações dos filmes (em especial, dos mais "pesados"), permite uma reflexão de valores morais em quem os assiste, sendo esse fato essencial para mudanças de mentalidade e atitude” analisa.
Em entrevista à revista “Bravo!”, o cineasta israelense especializado em documentários políticos, Avi Mograbi, confessou sua desilusão em relação ao poder do cinema em ser um condutor de mudança social, de promoção da paz: “Acho que a mudança social acontece em outros lugares e, algumas vezes, o cinema está lá para colher os frutos. Mas não acho que é o cinema que cria a mudança social ou a atmosfera para a mudança social” declarou. O diretor é um dos mais respeitados cineastas de Israel, principalmente por abordar de maneira crítica, em suas obras, como o povo palestino é tratado pelo governo do país.
A psicóloga Beatriz Souza Cruz alerta que os filmes deveriam mostrar mais o lado positivo da vida. De acordo com a psicóloga, as notícias negativas surgem e chocam a sociedade. Enquanto isso, o comportamento distorcido relatado nestas reportagens, acaba fazendo com que seja construída uma idéia de que o errado é, agora, comum: “Se o cinema passasse a divulgar sobre a importância dos valores humanos, aos poucos a humanidade iria se conscientizar que este poderia ser o caminho para se propagar a paz”.
A repórter de cinema do Union Web Revista, Luiza Villarroel, exemplifica a declaração de Beatriz, mostrando alguns filmes que podem colaborar para o estabelecimento da paz: “aqueles que mostram guerras nos desencorajam a ter atitudes tão promíscuas, como “O Pianista”, de Roman Polanski. Outros apresentam um lado romântico, bonito e até ilusório da sociedade, fazendo-nos apaixonar por algo que nem sabemos o que é. “Romance”, de Guel Arraes, faz isso.
Guerra, uma mensagem de paz
Bons roteiros, eficiência na performance dos artistas, efeitos visuais e sonoros, são os primeiros aspectos que cativam o público nos cinemas. Não pairam dúvidas que a “Sétima Arte” se revela extraordinária. Produções cinematográficas lançadas nos últimos anos revelam a capacidade que os cineastas possuem em escrever e dirigir filmes que levam verdadeiras multidões às salas de exibição. Os efeitos multifacetários das películas vão além do mero glamour. As formações de opinião e de comportamentos pacíficos também fazem parte do contexto do cinema.
A repercussão de determinados gêneros de filmes ultrapassam fronteiras. A ficção e a realidade, atreladas ao sucesso, provocam discussões calorosas por todo o mundo. Em decorrência da divulgação na mídia e das premiações, os longas se tornam pautas de discussão na vida das pessoas, no que se poderia chamar de efeito agenda setting.
As produções com o tema guerra retratam especialmente este fenômeno, por apresentarem, em sua grande maioria, fatos históricos e verídicos que se tornaram verdadeiros legados da humanidade. Ao explorar o lado emocional do público, através de elementos que apelam para o aspecto sensorial como músicas, efeitos especiais, dentre outros, pode-se observar que os filmes provocam as mais variadas reações, de perplexidade à comoção. Os conflitos armados, a violência, o caos, o drama e a barbárie trazem ao público, um leque de reações e percepções que podem ser extraídas para a realidade.
Um bom exemplo sobre isso é “A Lista de Schindler”, filme baseado no livro “Schindler's Ark”, de Thomas Keneally. A história consegue aproximar guerra e paz ao mesmo tempo em que o longa-metragem mostra o nazismo da forma mais crua. São mostrados massacres de judeus em grande número.
Em “O Resgate do Soldado Ryan”, observa-se o ápice do contraponto entre paz e guerra quando um grupo de soldados, ao desembarcar na Normandia, recebe a missão de resgatar, com vida, um soldado. Em sua produção, Steven Spielberg expõe todo lado nefasto da guerra com cenas de brutalidade, ao passo que transmite a necessidade do convívio harmônico e pacífico entre as nações.
Edward Zwick, diretor dos filmes “Diamantes de Sangue” e “O Último Samurai,” lançou, recentemente, seu último filme, “Um ato de liberdade”. Baseado em fatos, o longa mostra as ações de bravura de dois irmãos judeus que, ao fugirem da perseguição nazista, se escondem em uma floresta e lutam pela sobrevivência e liberdade.